Livro: "O império dos antagonismos: Escrita e imagem no ocaso da dominação espanhola na América"

O império dos antagonismos. Escrita e imagem no ocaso da dominação espanhola na América. Recife: EDUFPE, 2010.
As décadas finais do século XVIII fecham o período colonial e preparam o caminho para as independências que se multiplicariam por todo o continente nas duas primeiras décadas do XIX. Como nas etapas anteriores, o Setecentos também está atravessado por contradições que derivam da tensa e desigual conformação das sociedades vice-reais e dos conflitos de interesses que pontuam a geopolítica do sistema colonial moderno. Mas, como todas as contradições, estas são específicas e históricas, e obedecem à emergência de condições particulares surgidas numa época em que tentativas de modernização convivem com a rigidez de um sistema visto como obsoleto. É um período de expansão econômica e de decadência, de propagação de novidades científicas e de firme persistência das ortodoxias, de grandes mudanças na ordem social e urbana e de violentos conflitos derivados dessas transformações.As novas funções do comércio transatlântico redefinem a noção de monopólio vigente nos séculos anteriores; a expulsão dos jesuítas altera definitivamente as formas de domínio das fronteiras, as relações com as populações indígenas e o modelo educativo das elites urbanas; renovados e cada vez mais insistentes desejos de autonomia das elites criollas pugnam contra as imposições emanadas pela administração imperial; as viagens filosóficas supõem outro modo de aproximação e de conhecimento de uma natureza passível de ser catalogada pela taxionomia colonialista; as repercussões dos discursos científicos eurocêntricos impulsionam debates e funcionam como espelho invertido para o estudo do homem americano. Estes são apenas alguns dos aspectos que distinguem essa segunda metade do século XVIII no contexto da dominação colonial espanhola. Uma era de conspiradores que procuram mudanças pontuais e de sublevações que aspiram a derrubar a ordem vigente, de ascetismo religioso e de tertúlias de disseminação do ideário iluminista; uma era que anunciava, gradativa e firmemente, as evoluções de um ocaso. Mas não entendemos aqui a idéia de “ocaso”, que aparece no subtítulo, como a instância final de um organismo que agoniza, mas como a inquietante confluência da caducidade, da dissolução, das latências e dos anúncios do porvir. Se bem é verdade que a nossa época (e todas as épocas) está forjada por esse tipo de confluência, é indiscutível também que as últimas décadas do Setecentos hispano-americano nos oferecem uma oportunidade singular para percorrer as descontinuidades da letra, da imagem e da história vistas, a partir do nosso presente, como uma constelação saturada de antagonismos.